sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Efectuar efeitos

O princípio que orienta as opções e decorrentes actos políticos do Ministério da Educação (as mais das vezes, actos de confronto, de afronta, de ultraje para a degradação da imagem buscando uma devastação simbólica) parece ser o da eficácia. Mais o da eficácia do que o da eficiência (esta requer um fôlego maior, mais distendido). Trata-se de eficácia a todo o custo. Os meios, as condições, as consequências secundárias dessa eficácia parecem não ser tidas em conta. Na verdade, são despiciendos, estabelece-se uma perspectiva como que amoral que resulta em efeitos imorais, desprovidos de decência, porque o que conta é a eficácia da medida. Procura-se, acima de tudo, efectuar, obter resultados. Mas são resultados, efeitos, de curto prazo, duplamente de curto prazo: o tempo entre a decisão e o efeito é curto e o próprio efeito é também de curta duração. (Não se trata, assim, de efeitos duráveis ou com alcance projectado no futuro - precisamente aqueles que deveriam caracterizar e decorrer de uma política educativa digna desse nome.)
A imediatez do efeito da eficácia (acontece logo a seguir, rapidamente) gera no público a ilusão da eficiência competente, quando, afinal, se está perante uma mera eficácia instrumental e fugaz: um fogacho muito visível e ruidoso, mas pouco consistente. Por um lado, a rapidez do "acontecimento" não permite uma mediação, uma distância que possibilitaria uma apreciação mais cuidada e atenta, isto é, um olhar que discriminasse mais determinações (precisamente o que o Ministério pretende evitar); por outro lado, essa qualidade rápida da coisa provoca uma espécie de tontura na percepção pública ou um pasmo que preenche todo o horizonte e que entorpece qualquer veleidade analítica.
Os efeitos da eficácia são propagandísticos, retóricos - o que não é de todo acidental: busca-se exactamente uma adesão do público, mesmo que os enunciados não tenham qualquer correspondência na realidade.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Relação ilegítima

Continuando uma das pontas deixadas aqui:
Por mais que nos esforcemos, não conseguimos encontrar nenhuma relação "natural" (mormente, causal) entre, de um lado, as reacções de defesa ou, no mínimo, de desconforto, que um grupo social (pensionistas, ou funcionários públicos, ou inquilinos, ou senhorios, ou lojistas, etc.) ou uma classe profissional manifeste relativamente às opções políticas de um governo e, de outro lado, a qualidade das suas teses. A expressão de descontentamento é uma coisa; a justiça ou, mais frequentemente, a putativa injustiça dessa posição é já outra coisa distinta. Não há, portanto, que, precipitadamente, contaminar aquela com esta.
A reacção de um grupo, em primeiro lugar, apenas, por assim dizer, se prova a si mesma e nada mais para lá de si. O que é que nos diz, por exemplo, uma greve de uma classe x? Diz-nos, como vulgarmente se pretende, que o governo está "no caminho certo"? Não. Como posso eu, a partir do mero facto da greve, concluir que a acção do governo que a provocou está "certa"?... Num sentido, no sentido mais exacto e, digamos, seguro, haver uma greve demonstra somente que está havendo uma greve ou, na melhor das hipóteses, demonstra somente haver descontentamento dos que a fazem.
Uma outra variante falaciosa é a de se opinar triunfalmente que a greve revela que a acção do governo afecta "interesses" daquele grupo profissional. Muito bem. Mais uma vez, cabe perguntar: e daí?... Haver prejuízos de "interesses" demonstra por si só que esses "interesses" são ilegítimos? Como posso eu dar o salto sem mais desde 'defesa de interesses' para 'interesses ilegítimos'? Não há, nem pode haver, qualquer razão directa ou inversa entre a intensidade com que se defende um "interesse" e o seu carácter legítimo ou ilegítimo. Será que o simples facto de defender com mais ou menos afinco o meu "interesse particular" me transforma num inimigo do "bem comum"?
 Nunca é de mais repeti-lo: um grupo não está "certo" ou "errado" pelo simples facto de reagir a uma acção governativa. Deveria ser evidente que esse não pode ser o critério. E, no entanto, sabemos que é isso que os governos (exemplarmente os de José Sócrates e o de Passos Coelho) e a sua tropa de choque (em jornais, televisões, blogs) fazem reiteradamente. Pior ainda: essa argumentação falaciosa e perversa vinga, encontra eco noutros grupos que não os visados.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

O objecto e o dedo que o aponta

Já todos passámos por isso. Indica-se, aponta-se um objecto com o dedo. Mas ele vê apenas o dedo. Pura e simplesmente, não é capaz de notar, avistar o objecto que o dedo insistentemente indica, denuncia. Só tem olhos para o dedo. E demora-se descrevendo-o, comentando-o. E o objecto? Não o vê - não está lá. O dedo aponta, portanto, para o vazio. É um dedo louco, um dedo "intelectual", um maçador, um dedo que teima em apontar para o que não existe. Sim, o verdadeiro objecto é, afinal, o dedo. Não aponta para nada - só ele existe, insuportável.
 
E o objecto para que o dedo apontava lá continua, incólume. Não-visto (*).
 
 
 
 
(*) Alguns animais, especialmente cães, são capazes de "compreender" que o dedo remete para um objecto e não se indica a si mesmo.

All the world's a betting exchange

Apostemos. Uma aposta é uma aposta: é o que nos diz o princípio da identidade. O apostar enquanto tal não selecciona qualitativamente sectores da realidade. E parece que quem aposta também não.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Guerra II

Embora seja prudente não esticar demasiado a analogia (uma precaução que escapa tanta vez a tanta gente, como se irá vendo por aqui), convém dizer que esta guerra também tem os seus generais, os seus estrategos, os seus rank and file, escaramuças, grandes batalhas, guerrilha surda, também as suas represálias, massacres, vinganças ridículas, as suas quintas colunas, fases enganadoras de drôle de guerre e - aqui deixa-se a analogia e pisamos terreno literal, grosseiramente literal - a sua propaganda, a sua contra-informação, as suas manipulações, a intoxicação do público. Nesta frente os governos levam a palma. Levam-na, porque são grandes praticantes, porque detêm meios nem sonhados do outro lado e porque partem logo com vantagem ao abrir das hostilidades: são quase sempre investidos pelo público com a qualidade da credibilidade - isto é, o público, misteriosamente, tende a aceitar como mais crível o discurso governamental (afinal, um discurso político até à medula), do que o discurso adversário, como se aquele pairasse num estrato "técnico", puramente apolítico.
Os discursos alternativos aos governos são geralmente escutados com um pé atrás - não passam de manifestações de "interesses" particulares ou "sectoriais" e, numa curiosa torção retórica, são apresentados por "comentadores" e "analistas" como a prova acabada de que o governo "está certo", "está no bom caminho". Isto é, é precisamente por os discursos alternativos se fazerem ouvir, precisamente por estarem ali, que o governo "tem razão". Na verdade, dir-se-ia que a bondade da opção governamental varia na razão directa da intensidade da discordância ou, ainda melhor, do protesto. (A este respeito,veja-se a imagem recorrente do "pôr o dedo na ferida" de cada vez que um discurso próximo ou emanado de um governo provoca indignações copiosas, como se pode ver aqui.) Não havendo à partida nenhum fundamento para esta relação, constitui também um mistério que ela simplesmente se estabeleça e vá fazendo o seu caminho.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Guerra

Está em curso uma guerra "cultural". O campo de batalha é a Escola. A Escola é maior do que ela mesma. Como é natural, a principal frente de combate passa pelos professores.