sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Relação ilegítima

Continuando uma das pontas deixadas aqui:
Por mais que nos esforcemos, não conseguimos encontrar nenhuma relação "natural" (mormente, causal) entre, de um lado, as reacções de defesa ou, no mínimo, de desconforto, que um grupo social (pensionistas, ou funcionários públicos, ou inquilinos, ou senhorios, ou lojistas, etc.) ou uma classe profissional manifeste relativamente às opções políticas de um governo e, de outro lado, a qualidade das suas teses. A expressão de descontentamento é uma coisa; a justiça ou, mais frequentemente, a putativa injustiça dessa posição é já outra coisa distinta. Não há, portanto, que, precipitadamente, contaminar aquela com esta.
A reacção de um grupo, em primeiro lugar, apenas, por assim dizer, se prova a si mesma e nada mais para lá de si. O que é que nos diz, por exemplo, uma greve de uma classe x? Diz-nos, como vulgarmente se pretende, que o governo está "no caminho certo"? Não. Como posso eu, a partir do mero facto da greve, concluir que a acção do governo que a provocou está "certa"?... Num sentido, no sentido mais exacto e, digamos, seguro, haver uma greve demonstra somente que está havendo uma greve ou, na melhor das hipóteses, demonstra somente haver descontentamento dos que a fazem.
Uma outra variante falaciosa é a de se opinar triunfalmente que a greve revela que a acção do governo afecta "interesses" daquele grupo profissional. Muito bem. Mais uma vez, cabe perguntar: e daí?... Haver prejuízos de "interesses" demonstra por si só que esses "interesses" são ilegítimos? Como posso eu dar o salto sem mais desde 'defesa de interesses' para 'interesses ilegítimos'? Não há, nem pode haver, qualquer razão directa ou inversa entre a intensidade com que se defende um "interesse" e o seu carácter legítimo ou ilegítimo. Será que o simples facto de defender com mais ou menos afinco o meu "interesse particular" me transforma num inimigo do "bem comum"?
 Nunca é de mais repeti-lo: um grupo não está "certo" ou "errado" pelo simples facto de reagir a uma acção governativa. Deveria ser evidente que esse não pode ser o critério. E, no entanto, sabemos que é isso que os governos (exemplarmente os de José Sócrates e o de Passos Coelho) e a sua tropa de choque (em jornais, televisões, blogs) fazem reiteradamente. Pior ainda: essa argumentação falaciosa e perversa vinga, encontra eco noutros grupos que não os visados.

2 comentários:

  1. Recorrer a uma linguagem falaciosa de tipo "moral" para "justificar" decisões amorais (ou mesmo imorais) faz parte de um acervo de truques "pulhíticos" mais velhos que a Sé de Braga. Afinal, é preciso dar sangue à populaça. O sangue dos outros, claro.

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